Educação pública com postura sócio-comunitária leva a maiores notas na prova Brasil?

Por Camila Scramim Rigo

O governo federal, em parceria com o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e o Banco Mundial, pesquisará 36 escolas públicas de ensino fundamental (da 1ª à 8ª série), selecionadas entre as que tiveram melhores médias na Prova Brasil 2005, em busca de projetos e ações que ajudem a melhorar o aprendizado de alunos. O objetivo é disseminar e estimular a adoção de boas práticas educacionais no país.

Será uma boa oportunidade para analisar o teor dos projetos e ações considerados diferenciados, buscando indícios de posturas sócio-comunitárias em suas propostas.

Para que se defenda uma educação com postura sócio-comunitária como um caminho possível para a educação é necessário que ela se mostre eficiente em atingir os objetivos definidos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – lei nº 9 394 de 1996, abaixo indicados:

Seção III – Do Ensino Fundamental
Art. 32. O ensino fundamental (…) terá por objetivo a formação básica do cidadão, mediante:
I. o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o pleno domínio da leitura, da escrita e do cálculo;
II. a compreensão do ambiente natural e social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade;
III. o desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes e valores;
IV. o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social.

Caso não sejam identificados, nos projetos e ações considerados diferenciadores pelo MEC, indícios de posturas sócio-comunitárias, este talvez seja um indicativo de que tal postura não é praticada nas escolas públicas, ou sendo, não atinge os objetivos esperados para a educação.

Também pode indicar que a Prova Brasil não avaliou as escolas com base nos objetivos estabelecidos nacionalmente para a educação.

Qualquer das conclusões citadas apontam para desafios que defensores da postura sócio-comunitária nas escolas devem conhecer e enfrentar para sua consolidação.

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Currículo Intertranscultural

(trecho retirado do texto homônimo de Paulo Roberto Padilha)

Quando nos deparamos com propostas curriculares que, explícita ou subliminarmente, consideram algumas ciências superiores às outras, uma cultura melhor que a outra, e que, de certa forma, hierarquizam saberes e subordinam as relações humanas no processo de ensino e aprendizagem, estamos diante de um determinado modo de entender e dar sentido ao conhecimento do mundo e sobre o mundo, que é por oposições (ou/ou). Não é esta a minha lógica quando falo do currículo intertranscultural. Aqui, compreendo o mundo com base nas relações dialógicas que nele se estabelecem, as quais também podem ocorrer por conexões (e/e).

Por que alguns conhecimentos seriam importantes e outros não na hora de aprendermos e de ensinarmos? Quem teria maior possibilidade de fazer as escolhas? E, afinal, o que nos interessa mais na hora de educar e de nos educarmos? Essas perguntas são fundamentais quando falamos em currículo intertranscultural. Tudo é importante para a educação ou há conhecimentos que, se não nos fossem transmitidos, aparentemente não nos fariam a menor falta? Não é esse sentimento que certamente muito de nós já tivemos em alguns momentos de nossas passagens pela escola ou por outros espaços de aprendizagem? Ou será que determinados conhecimentos poderiam ter sido mais bem contextualizados para que entendêssemos a sua importância e a sua relação direta com a nossa vida cotidiana, por exemplo, em relação às nossas emoções, aos nossos sentimentos ou às dúvidas mais espontâneas que apresentamos na sala de aula, para as quais nunca tivemos respostas porque não faziam parte do currículo? Quantos de nós não abandonamos os cursos que iniciamos ou, no mínimo, continuamos a estudar mesmo sem ver nenhum sentido no que fazíamos na escola só para “passar de ano”? E será que, quando nos julgamos responsáveis pelo nosso desânimo, pela dificuldade de entender determinados conteúdos ou pela nossa evasão, isso não tem a ver com o tipo de relação estabelecida entre professores e alunos, escola e comunidade, geralmente firmada no autoritarismo, na disciplina rígida, além da falta de condições adequadas para a aprendizagem e do tipo de avaliação (excludente!) que era aplicada unilateralmente pelos professores?

Tudo isso tem a ver com um determinado tipo de organização curricular, aspecto que o currículo intertranscultural tenta discutir. Esse tipo de reflexão é parte do conteúdo que interessa a esse currículo. Aqui já observamos uma diferença importante na forma de pensar e de desenvolver os estudos curriculares: cabe-nos decidir, coletivamente, por onde e como começar. É justamente quando criamos o espaço para o encontro, para o diálogo, para a decisão sobre os nossos pontos de partida, sobre a nossa travessia e sobre os nossos pontos de chegada que damos um passo importante para vivenciar o currículo intertranscultural, pois estamos educando(nos) em uma lógica de aprendizagem, de ensino, com novos espaços e tempos nos quais aprendemos a planejar e a avaliar junto com o próprio currículo, o próprio objeto dos nossos conhecimentos. E isso não significa que o professor, por exemplo, deixará de ter um papel fundamental nesse processo ou, então, que chegará de mãos vazias diante do grupo de alunos. Na verdade, nem professor nem aluno chegam de mãos vazias quando se encontram.

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É possível ser sócio-comunitário dentro do ambiente escolar?

Por Camila Scramim Rigo

A escola é parte integrante da sociedade e reflexo de seu modus operandi. Está inserida no espaço e no tempo das comunidades – e somente por uma escolha deliberada de seus gestores e docentes não é influenciada por elas em maior grau. Escolha que também reflete as opções da sociedade que a provê.

O educador é reflexo da sociedade – aprendeu a agir dentro de seus princípios e limites. Um limite evidente da nossa sociedade é sua fragmentação. De um lado estamos nós, do outro, eles.

Existe a preocupação com a violência, com a segurança e com o patrimônio da escola, o que explica parte da hesitação em abri-la para a comunidade – num sentido mais concreto, material.

Existem também as inseguranças do educador que impedem seu diálogo com a comunidade – mesmo com aquela parte que freqüenta sua sala de aula, dia após dia. Entre suas preocupações está a garantia dos valores e dos bons costumes preconizados pelo fragmento da sociedade a que pertence.

Curiosamente, a forma de defesa de valores e bons costumes privilegiada pelos educadores se assemelha muito à forma como defendem o patrimônio material da escola: encastelam-se e evitam a presença de assuntos e opiniões indesejáveis. Na maioria das vezes, exigem adesões à sua forma de pensar. Evita-se assim o risco de se confrontar com o que acontece do lado de fora da escola (fonte de sofrimento e impotência) e o risco de não se saber argumentar (e permitir a disseminação de ideologias contrárias às próprias).

Os conteúdos escolares – indispensáveis, sendo missão intransferível do educador – são freqüentemente utilizados como refúgio para protegê-lo dos riscos desse diálogo aterrador.

Assim, a escola paulatinamente se constitui num ambiente sem razão de ser: não transforma, não preserva, não estimula, não se posiciona, não ensina, não aprende. Até mesmo os conteúdos tornam-se estéreis, tamanho o distanciamento e a falta de interlocução com a realidade.

O educador com postura sócio-comunitária é aquele que atua como interlocutor e intérprete da realidade, caminhando com o educando por um espaço nunca completamente mapeado. Está em contato com a realidade e tem como principal prática o diálogo, correndo todos os riscos inerentes. Será ele uma criatura com coragens e poderes superiores? Um inconsequente, um mártir, um masoquista, um suicida?

Um educador com postura sócio-comunitária tem, acima de tudo, uma profunda crença no educando. Confia nas tentativas que ele fez para entender seu mundo e nas competências que desenvolveu para sobreviver. Confia que pode contribuir para que os entendimentos de seus educandos possam ser ampliados – assim como os seus próprios.

Não se vê como detentor de respostas e, apesar de também se assustar com a realidade, recupera a coragem ao retomar seu propósito inicial: ajudar o educando a lidar com seu mundo, por mais conturbado que seja. Por exemplo, uma família desestruturada não paraliza este educador: ele confia na capacidade de seu educando de encontrar formas de lidar com sua realidade.

Uma das maiores forças do educador com postura sócio-comunitária vem, portanto, da consciência de seus limites, da certeza de que a educação se realiza apesar da escola e da convicção de que suas chances de influenciar positivamente no processo educativo serão tanto maiores quanto maior for o seu envolvimento com as questões preementes de seus alunos.

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